Não sei se você já se sentiu assim, mas parece que quanto mais filmes assisto, mais percebo que só consigo encontrar a alegria pura de uma boa história nas animações. Uma história boa e simples. Talvez pelo fato das animações serem para crianças, elas se concentram no poder da narrativa. Esse poder remonta aos tempos antigos, quando as pessoas, ansiosas por causa de comida e pelo cair da noite, se reuniam ao redor das fogueiras para contar histórias reconfortantes.
Uma história emocionante de verdade se tornou algo raro hoje em dia, especialmente porque o mercado está saturado de filmes que são dominados pela autoconsciência e que perdem a essência da narrativa em sua busca por lucro.
Robô Selvagem se destaca por sua simplicidade revigorante e profundidade emocional — e mais importante ainda: é uma história de robô. Não sei vocês, mas sempre vou pagar para assistir a histórias de robôs. Tenho certeza de que, até que a IA adquira consciência no mundo real (o que, por razões tecnológicas ou éticas, pode nunca acontecer), não vou me cansar de histórias de robôs que ultrapassam os limites programados para desenvolver uma consciência.
A história gira em torno de Roz, uma robô, e sua ligação inesperada com um filhote de ganso chamado Bico-Vivo. Diferente de muitas histórias de robôs que misturam humanos e máquinas, essa se desenvolve em uma vastidão livre de pessoas. É óbvio que nenhuma história está totalmente desprovida de conexão humana — aqui, os animais selvagens são antropomorfizados.
O coração de Robô Selvagem está no relacionamento de mãe e filho que se desenvolve entre Roz e Bico-Vivo. De início, estava cautelosa — quando ouvi a voz de Roz, suave e gentil, me perguntei por que robôs sempre tem que ser do sexo feminino, especialmente com tantas histórias de IAs de gênero neutro já contadas.
Roz luta contra seu desejo de criar o gansinho justificando que não foi programada para ser mãe; nesse momento, uma gambá responde que ninguém está, todas precisam aprender. Embora esse diálogo seja encantador, meu instinto feminista entrou em ação: por que reforçar o estereótipo de que as mulheres devem preencher papéis maternais?
Eu poderia procurar mais defeitos, até mesmo questionar sua mensagem ecológica absurda — a de que todos os animais (inimigos naturais na cadeia alimentar) deixariam de lado as hostilidades para sobreviver, juntos, a um inverno rigoroso.
No entanto, logo esqueci essas preocupações. Fiquei fascinada pelos visuais e pelo fluxo narrativo harmonioso, além dos animais adoráveis e seus olhos grandes e cautelosos. A arte dos filmes de animação tem um jeito de derreter até mesmo os corações mais frios. Abri mão das minhas defesas e deixei que a história me envolvesse como um cobertor quentinho, pronto para me levar a qualquer lugar. Essa é a mágica de contar histórias. Uma boa história pode fazer com que você se esqueça dos perigos e da ansiedade, assim como uma pessoa primitiva relaxando ao lado de uma fogueira, desfrutando da paz.
Não vou dar spoilers da jornada de Roz e Bico-Vivo, mas qualquer pessoa familiarizada com contos de fada consegue adivinhar o arco básico: desentendimentos, discussões, separação e reencontro. Essas quatro palavras-chave resumem tudo, mas, acredite em mim, você ainda vai encontrar alegria e satisfação na história. Nas palavras de C.S. Lewis, autor das adoradas Crônicas de Nárnia, “Algum dia você vai ter idade o bastante para começar a ler contos de fadas outra vez”.
Ah, e se você decidir assistir a esse filme, não ignore o raposo Astuto. A verdade é que, a maioria das pessoas é como Bico-Vivo — filhos ou filhas — e muitas são como Roz — mães e pais. Porém, algumas são como o raposo: não são especiais para ninguém, vivem sozinhas desde o nascimento, sem pais e sem se tornarem pais também, mas passando a maior parte de suas vidas refletindo sobre o conceito de “amor”.
“Quando você cresce sem alguma coisa, passa muito tempo pensando nela”, disse Astuto. São palavras que podem não mexer com você, a menos que você tenha vivido isso.
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